Porto Principe é
uma cidade de contrastes extremos. Enquanto a maioria da população vive sem
emprego e vende o almoço pra pagar a janta, existe uma elite com muita grana. O
bairro de Pétionville, no alto da cidade, concentra a maior parte dessa turma
endinheirada. Pelo mesmo motivo é o bairro onde há os bons restaurantes, bares
e lojas. Embora não seja nenhum Leblon ou Jardins, ainda assim é alta classe. Se
não fossem pelos seguranças armados com metralhadoras automáticas na porta de
sorveterias, poderia-se até se pensar que se está numa cidade brasileira.
O índice de criminalidade
é muito alto em Porto Príncipe e quem tem dinheiro tenta se proteger de toda
forma. Os sequestros são comuns no Haiti, principalmente na épocas de férias de
julho e agosto nos EUA e também durante o Natal. Isso porque os haitianos que
moram nos EUA ou Canadá (que são muitos) costumam voltar pra cá pra visitar a
família e trazer presentes. Os sequestradores ficam de olho em seus dólares.
Certa vez li um
artigo que analisava pragmaticamente a relação da pobreza com a violência em
diversos países : como poderia a Índia com tanta pobreza ser um país tão
pacífico? E como
poderia os EUA com tanto dinheiro ser tão violento? Depois de analisar vários
países, a conclusão foi bem interessante: o principal fator gerador de
violência em um determinado local não é a pobreza em si, mas a desigualdade social
entre classes dentro de um mesmo país. Quanto mais desigual, mais violento. Isso explica um pouco do que se passa no Brasil, que apesar de estar
crescendo e enriquecendo continua muito violento. Aqui Haiti não é diferente, e o
caso é mais extremo.
Noutro dia,
passando por uma avenida considerada « zona vermelha » onde somos
proibidos de passar por ser muito violenta (mas o motorista estava com pressa e eu não tinha a menor
ideia onde estava) passamos por uma das maiores e mais miseráveis favelas do mundo,
La Saline. Eu me refiro à miséria no seu estado absoluto : feia, fétida,
doente e sem final feliz. A pobreza não é novidade pra mim, morei 2 anos na
África em um dos seus países mais pobres. Conheci mutos lugares pobres e ricos
neste continente. Mas nada se iguala ao que eu vi em La Saline. São kilometros
de barracas feitas de metal, entulhadas uma do lado das outras sob um calor sufocante
de 40 graus. As ruelas são todas alagadas por 30 cm de água preta, escura como petróleo. Trata-se de água
de esgoto parada e já estabelecida, como um córrego que já conhece seu caminho.
Andar com os pés submersos neste esgoto é coisa do dia a dia de quem mora ali.
A quantidade de moscas é algo inacreditável, enxerga-se de longe as nuvens
nebulosas desses pequenos insetos por todo lugar. O cheiro tampouco passa
desapercebido. Antes mesmo de chegarmos perto dessa comunidade e bem depois
dela sente-se um cheiro forte e nauseante, que ocupa os pulmões, esmaga o
coração e faz o cérebro se perguntar como qualquer ser humano pode passar todos
os dias de sua vida nesse inferno absoluto e indomável. É uma miséria muito
dificil de ser superada, é difícil imaginar como uma pessoa pode ser mais
miserável nesse mundo do que aqueles que passam sua vida interia em La Saline.
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Favela de La Saline |
Não tirei fotos,
não por uma questão ética (pois esse tipo de tragédia humana tem que ser
divulgada), mas por simplesmente ter medo de perder minha câmera que provavelmente vale anos
de alimentação/higiene pra um morador de lá. Ainda assim achei algumas fotos na
internet desse local que condizem com o que vi. Se você pensa que deus é justo
e que a natureza é perfeita, meu amgo, é porque tem algo muito errado com você.
Nós somos talvez o mais imperfeito, injusto e sem compaixão de todos os
animais.
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Mercado de La Saline |
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Miséria total em La Saline |
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Em La Saline os moradores andam sobre o esgoto no dia-a-dia |
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O cheiro é insuportável |
Que tristeza!
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